terça-feira, 17 de agosto de 2021

PROFESSORES DO LICEU (4)


5 - O escritor José Luís Ferreira

O Prof. José Luís Ferreira ensinou no Liceu de Eça de Queirós entre 1919 e 1954. Comecei a ver referências a ele apenas quando estudei a biografia do seu amigo médico Abílio Garcia de Carvalho: estiveram juntos na fundação do escutismo poveiro e muito adiante na festa em que ao Dr. Abílio foram entregues as insígnias da Comenda de Cavaleiro da Ordem de S. Gregório Magno. Mas o relacionamento entre eles foi sem dúvida mais continuado: homens da mesma geração, uniam-nos muitos pontos de vista comuns. Quando em 1934 aquele médico profere no Liceu a Lição de Sapiência, na abertura do novo ano lectivo, certamente fê-lo a convite do Prof. José Luís Ferreira; de facto, hão-de ter estado lado a lado em muitas lutas.

 

Jota Efe corresponde a José Ferreira ou José Luís Ferreira, o professor de aqui se trata.

O Prof. José Luís Ferreira não era poveiro: era barcelense, de Cossourado (o Dr. Abílio Garcia de Carvalho era natural de Mouquim, Vila Nova de Famalicão); chegou à Póvoa sensivelmente no mesmo ano em que o seu amigo médico, que curiosamente vinha então de Barcelos. Não sei se participou na II Guerra Mundial, mas correu as sete partidas: fez o secundário em Viana e frequentou a Universidade em Lisboa; já como professor, antes chegar de à Póvoa, esteve nos Açores, em Chaves, em Beja, em Braga. No Liceu de Eça de Queirós, ensinou Latim, Francês, Português e talvez ainda Grego; durante vários anos, foi bibliotecário.

Até nós chegaram dois livros seus e dezenas de artigos que publicou em vários jornais (um deles foi o Diário do Minho, de Baga, outro o Idea Nova, da Póvoa; durante muitos anos escreveu para o jornal poveiro O 28 de Maio).

Basicamente, neste último jornal, desenvolveu duas rubricas, uma de Linguística e outra onde tratou o tema Folclore. Na primeiro saíram várias dezenas de artigos, na segundo apenas uns nove. Com base no trabalho desenvolvido na rubrica de Linguística, organizou depois o opúsculo que intitulou Ortografia Portuguesa Vulgarizada; de facto o título tem uma extensão quase barroca: «Ortografia Portuguesa Vulgarizada para Portugueses e brasileiros (Ortografia Oficial). Regras e exemplos práticos, com algumas explicações teóricas». São 48 densas páginas onde este professor de Português expõe com minúcia o tema que se propôs. Foi editado em 1929 pela Tipografia Povoense, como na altura aconteceu com muitos de diversos autores.

Mas, como já foi dito, o professor José Luís Ferreira publicou um segundo livro, com autoria atribuída ao pseudónimo Jota Efe, e intitulado Memórias de um Século. A segunda edição, a que conheço, saiu em 1965. Muito interessantes as memórias relativas ao tempo da República.

Este professor foi durante anos bibliotecário do Liceu. Vários dos livros que constituem hoje a Biblioteca Dr. Luís Amaro de Oliveira dever-se-ão aos seus cuidados.

Ouçamos algumas suas palavras do artigo 7 da rubrica Folclore, em que se refere à publicação do seu opúsculo de tema linguístico:

 (…) o pobre autor foi publicando artigos de doutrina filológica na secção Linguística, que reuniu num opúsculo que baptizou Ortografia Portuguesa Vulgarizada. Neste pequeno trabalho estão condensados os principais e fundamentais preceitos de ortografia (e também de recta pronúncia), do modo mais claro e acessível e simples que pode ser, e já se não poderá alegar ignorância de tal doutrina com o argumento de que não existia condensada em volume baratinho.

São apenas cinco regras de acentuação e três de pronúncia – o bastante para toda a gente poder escrever e falar razoavelmente o português. Mas, a par disto, há muita coisa “útil a quem aprende e até a quem ensina”. (Não pareça isto vaidade ou falta de modéstia, porque é a súmula do juízo feito por alguns Mestres dos mestres e por bastantes ilustres colegas dos vários liceus do país, que nos honraram com sua correspondência a tal respeito). 

Na sequência de dois artigos saídos Diário do Minho, um tal A.L. fez-lhe uns reparos na Voz da Póvoa. O Prof. José Luís Ferreira respondeu-lhe em três números seguidos do Idea Nova sob o título de «Gramática Parda», metendo a ridículo o saber do seu contendor. Por fim, veio a verificar que este era o seu amigo Pe. Alexandrino Letuga…

Como entretanto este sacerdote faleceu, o Prof. José Luís Ferreira alterou o seu título para «Gramática Morena» e rematou a polémica com mais dois artigos.

Ou porque as responsabilidades de pai de família o desaconselhassem ou por razões profissionais ou qualquer outro motivo, certo é que não se comprometeu muito directamente com a política; mas isso não o inibiu de escrever alguns artigos bem curiosos em que fundamenta as suas simpatias pelo Estado Novo.


6 - O singularíssimo Professor Paulo de Cantos

Uma das pessoas ilustres e curiosas que ensinou no Liceu de Eça de Queirós foi o Prof. Paulo de Cantos.
Nasceu ele em Lisboa (Ajuda) em 13 de Março de 1893 e aí faleceu em 9 de Abril de 1979.
O Dr. Jorge Barbosa escreveu que o Prof. Paulo dos Cantos frequentou as Universidades de Lisboa, Porto e Coimbra. “Dotado de grande inteligência, curiosidade e ânsia de saber e possuidor duma prodigiosa memória, fez vários cursos, concluindo licenciaturas em Matemáticas, Desenho, Físico-Químicas, Ciências Naturais e Biológicas, Línguas Românicas (Filologia Românica), segundo julgo, e ainda Cursos de Belas-Artes e até tirou, entre outros, um diploma em Vitivinicultura”.
“Foi depois professor do ensino liceal, começando pelo Pedro Nunes (Lisboa) e posteriormente leccionou no Liceu Eça de Queirós, no qual passou a maior parte da sua vida professoral, chegando a ser reitor cerca de 10 anos”.

Original e extravagante retrato de Luís de Camões pelo Dr. Paulo de Cantos.

Sobre a bibliografia do Prof. Paulo dos Cantos escreveu ainda o mesmo articulista:
É muito grande, complexa, original, singular e, porque não dizer, extravagante a bibliografia deixada pelo Dr. Paulo de Cantos.
Além do Dr. Jorge Barbosa, que dedicou ao Prof. Paulo dos Cantos dois extensos artigos n’A Voz da Póvoa em 16/9/93 e 14/10/93, também sobre este antigo reitor do Liceu escreveu Ney da Gama Simões Dias, no Boletim Cultural Póvoa de Varzim, vol. XXXIII, de 1996/1997. Aí aproxima a produção artística do Prof. Paulo de Cantos do movimento alemão do Bauhaus. Parece-nos contudo que uma aproximação ao surrealismo não seria descabida.
O Liceu possui alguns livros da autoria do Prof. Paulo de Cantos provenientes da biblioteca do Mons. Manuel Amorim.








Também original e extravagante esta capa dum livro do Prof. Paulo de Cantos. Os fundos-ouro em 10 línguas são a parte final das páginas onde de facto constam pensamentos em línguas muito diversas.



Devo o conhecimento desta notável figura ao meu amigo e colega Prof. Fernando Souto.



Mais imagens

Dado o interesse que actualmente está a merecer Paulo de Cantos, acrescentamos mais algumas imagens por ele criadas (para as ver melhor, clique uma vez sobre elas).







Nota 
- No blogue já aludido e em que coloquei vários complementos encontram-se duas intervenções do Dr. Paulo de Cantos que tiveram lugar por altura da abertura do ano lectivo de 1934.


7 - O escritor Luís Amaro de Oliveira

Do Prof. Luís Amaro, que conhecemos pessoalmente e com quem convivemos ficou-nos a imagem dum verdadeiro colega, generoso, de postura bem-disposta, embora ele fosse mais velho quase 30 anos. A sua delicadeza era natural mas do mais elevado grau.

O Dr. Luís Amaro, como todos o identificavam, nasceu em Braga, na Quinta de S. Tecla, a 7 de Julho de 1920.

Concluiu a licenciatura em Filologia Românica na Universidade Clássica de Lisboa onde foi aluno de Vitorino Nemésio, Delfim Santos e Jacinto do Prado Coelho. Foi amigo pessoal de Sebastião da Gama.


Capa dum livro de homenagem ao Dr. Luís Amarao.


A sua actividade lectiva, desenvolveu-a em várias escolas, sendo a última delas (1965-1990) a Escola Secundária de Eça de Queirós, ex-Liceu Nacional da Póvoa de Varzim. 

Faleceu em 16 de Janeiro de 1991.

Para a história da literatura, deixou um trabalho de investigação biográfica original sobre Cesário Verde. Na área da didáctica, distinguiu-se por ter preparado edições escolares de várias obras literárias que gerações quase inteiras de estudantes portugueses manusearam.

O Dr. Luís Amaro integrou o conhecido Grupo do Régio, que se reunia num café da Póvoa de Varzim, o Diana-Bar. Nesse grupo figuraram personalidades como o próprio Régio, Manuel de Oliveira, Agustina Bessa-Luís, etc.

A Escola Secundária de Eça de Queirós homenageou o Dr. Luís Amaro de Oliveira com a publicação dum livro intitulado Reencontro com o Dr. Luís Amaro de Oliveira, o Professor, o Amigo e fê-lo patrono da sua biblioteca.

O nome deste professor figura no Dicionário dos Educadores Portugueses e na Infopédia.

Para o livro com que a Escola Secundária de Eça de Queirós o homenageou, escrevemos então este pequeno texto:

O que mais admirei no Dr. Luís Amaro foi a sua delicadeza, em especial para com os colegas mais jovens, como era o meu caso. Não havia nisso fingimento; era uma atenção natural, que mais acentuava em nós o respeito que lhe dedicávamos. Consultei-o muitas vezes sobre temas do nosso ensino comum.

Mas sentia-se que uma mágoa funda lhe turbava o feitio prazenteiro, dado a convívio.

Não é muito o que sabemos sobre o Dr. Luís Amaro de Oliveira. Mas com ele, ao longo de uma boa dezena de anos, na Escola donde saiu para a reforma e por isso não o esqueceremos facilmente.

O trabalho que mais lhe honrou o nome foi com certeza o que realizou sobre Cesário Verde. Este original poeta oitocentista, apesar do interesse que por ele teve Fernando Pessoa, caminhava, ao que parece, para um apagamento imerecido, quando um trabalho do Dr. Luís Amaro, a ele dedicado, deu contributo importante para o trazer à tona do interesse da crítica. Os seus estudos sobre este poeta vêm citados no Dicionário de Literatura que o Prof. Jacinto do Prado Coelho dirigiu e também na História do Literatura, de António José Saraiva e Óscar Lopes.

Jacinto do Prado Coelho atribui algures também ao Dr. Luís Amaro o mérito de ter sido o primeiro a valorizar aspectos da Mariana do Amor de Perdição. Aliás, esse ilustre professor teve noutras ocasiões palavras de muito apreço para o Dr. Luís Amaro.

Em colaboração com Feliciano Ramos, publicou o Dr. Luís Amaro, nos anos sessenta, ao menos duas volumosas antologias literárias, das primeiras com certeza que a juventude teve ao dispor. Mas os seus trabalhos com maior divulgação escolar terão sido os que dedicou às Viagens no Minha Terra, ao Frei Luís de Sousa, ao Amor de Perdição, aos Maias, à obra de Cesário, e que tornaram o seu nome familiar a várias gerações de estudantes portugueses.

Embora este sumário da sua obra possa ser injusto por breve e incompleto, já dele se pode concluir alguma coisa. Por exemplo: ele esteve, desde muito cedo e quase em exclusivo, ao serviço da juventude escolar; o seu nome projectou-se por todo o espaço nacional; outros terão deixado livros, mas ele não os deixou menos; não se serviu do Ensino Secundário como trampolim para outros voos (tendo mesmo recusado um convite do Dr. António Cruz para ir ensinar para a Faculdade de Letras da U.P.).

A acabar, permitimo-nos sugerir a conveniência duma palestra por pessoa idónea desse conhecimento de toda a dimensão do seu legado intelectual. Seria esta a mais digna, a mais justa e mais prestimosa homenagem que os seus admiradores lhe poderiam prestar.


8 - O polifacetado Dr. Énio Ramalho

 O Prof. Énio da Conceição Ramalho nasceu em 1916. Foi um homem de múltiplos ofícios: professor, músico, pintor, etc. Publicou vários livros, mas sobretudo uma Gramática de Língua Inglesa que teve numerosas edições.

Ensinou no Liceu, primeiro, de 1957 a 1962, e depois, de 1971 a 1985, num total de 19 anos, tendo-se aposentado por limite de idade em 1985. Em 1975-76, foi "Encarregado da Direcção" do Liceu, juntamente com o Prof. Orlando Taipa.

A informação biobibliográfica que se segue é da autoria de Maria Isabel Correia Martins e foi recolhida do livro Reencontro com o Dr. Luís Amaro de Oliveira, o Professor, o Amigo, ed. da Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, 2001, páginas 84-85.

Fez a escola primária e o liceu em Macau, terra da sua naturalidade. Partiu para Coimbra em 1935, ano em que ingressou na Universidade, onde cursou Filologia Germânica, tendo concluído o curso em 1939 com distinção. Obteve o prémio do Instituto Britânico, como o melhor aluno de Inglês no final do curso. Defendeu tese sobre o tema "Aldous Huxley - o Intelectual Perante os Homens e a Vida", trabalho que a Faculdade de Letras da mesma Universidade publicou em separata da "Biblos", revista cultural organizada com colaboração dos professores da Faculdade. Frequentou o Estágio Pedagógico em Coimbra, no Liceu D. João III.

Ingressou no ensino no ano de 1942. Em 1947, a convite do Instituto Britânico, frequentou um curso de especialização destinado a professores da Língua Inglesa, no qual tomaram parte representantes de dez países da Europa e do Norte de África. O curso teve como sedes Liverpool, Londres e Oxford.

Leccionou durante anos em vários liceus do país, entre eles, o Liceu Nacional da Póvoa de Varzim, de 1957 a 1962; já então, fazia do teatro uma actividade paralela ao ensino, tendo levado à cena Guerras do Alecrim e Manjerona, de António José da Silva, com alunos do 5.º ano.

Em 1962, concorreu para o Liceu de Macau, onde foi nomeado Reitor e, no ano seguinte, Chefe dos Serviços de Educação, regressando, de licença à Metrópole em 1967. Desligou-se do quadro ultramarino para retomar o exercício no Liceu Pedro Nunes, em Lisboa. No ano de 1972, concorreu a um lugar no Liceu da Póvoa de Varzim, onde leccionou até 1985, ano em que se aposentou.

Durante a sua actividade docente publicou algumas obras que a seguir se indicam:

Aldous Huxley - o Intelectual Perante os Homens e a Vida (tese de licenciatura), 1941;

Gramática da Língua Inglesa (para o ensino secundário), Porto Editora, 1958;

Guia de Conversação Inglesa, Porto Editora, 1959;

Dicionário Essencial Inglês-Português, edição do autor, 1961;

Coexistência Cultural (subvencionada pelos Serviços de Turismo de Macau), 1964;

A Princesinha na China (história para crianças e adolescentes), edição do autor, 1981;

Dicionário Estrutural Estilístico e Sintáctico da Língua Portuguesa, Lello & Irmão, 1985;

O Menino das Estrelas - Entre os Doutores (1998).

 

Obras Traduzidas:

A Psicologia - Estudo do Comportamento, de William Macdougal, edição França Amado, 1938, Coimbra;

Método e Teoria na Psicologia Experimental, de Charles Osgood, edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1972;

Os Dois Parentes Nobres, de William Shakespeare e John Fletcher, Lello & Irmão, 1974;

Sonetos Completos, de William Shakespeare, Lello & Irmão, 1998.

 

Ultimamente tem-se dedicado à música, o que, aliás, já fazia desde muito novo, tendo iniciado os seus estudos de solfejo e de órgão sob a orientação do Rev. Pe. Mateus das Neves, director da "Schola Cantorum" da Igreja de S. Lourenço, de Macau. Posteriormente, estudou Harmonia e Composição. É autor de composições para solo e coro e também para peças instrumentais, especialmente violino e piano. Participou no 1.º Festival da Canção Poveira em 1962, tendo obtido o 1.º prémio com a canção "Saudades do Mar" com que abrem e fecham as emissões diárias radiofónicas da época balnear, na Av. dos Banhos, posteriormente gravada em disco. Outras composições suas foram gravadas em disco e cassete, como por exemplo, "Santa Maria dos Mares", divulgada pelo cantor Luís Piçarra, "Na Lapa os Sinos Tocam", em cassete, interpretada pelo Coro da Lapa. Participou, ainda com uma composição, numa festividade realizada na Escola Secundária Rocha Peixoto intitulada "S. Pedro nas Escolas".

No que se refere à pintura, participou numa exposição colectiva local, no salão do Casino da Póvoa e fez a sua primeira exposição individual no Salão do Turismo da Póvoa, em 1991. Em 1995, participou na exposição comemorativa dos 150 anos do nascimento de Eça de Queirós, realizada na Filantrópica, com o seu quadro "O Mandarim". É autor, entre outras obras, de estampas com Trajos Poveiros, recentemente adquiridas pela Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, reproduzidas, há pouco, em postais. Em 1997, participou numa exposição de arte realizada no salão dos Bombeiros Voluntários de Vila de Conde, com uma escultura denominada "Cristo das Catacumbas".

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