quarta-feira, 18 de agosto de 2021


PROFESSORES DO LICEU (1)

Ao longo dos mais de 100 anos da sua história, passaram pelo Liceu professores que se tornaram notáveis por qualquer razão. Foi o caso do Pe. Afonso Soares, de Sebastião Tomás dos Santos, Leonardo Coimbra, Hernâni Cidade, Salgado Júnior, Vasques Calafate, José Luís Ferreira, Paulo de Cantos, Mário Fiúza, Pe. Franquelim Neiva Soares, Pe. João Marques, Luís Amaro de Oliveira, Flávio Gonçalves, Énio Ramalho, Mons. Manuel Amorim, o falecido bispo de Vila Real, D. Joaquim Gonçalves, e muitos outros. Vamos dar aqui notícia de alguns.


1 - Padre Afonso Soares 

Por altura da morte do Pe. Afonso Soares, Manuel Silva lembrou-o na revista “Póvoa de Varzim”, n.º 4, 4.º ano, 1914 (segunda quinzena de Dezembro). Como se vai ver, foi uma pena, um grave erro ter sido tão desconsiderada recentemente a notável figura do Pe. Afonso Soares. Quando se reparará a memória do seu notável nome que o sábio poveiro aqui exalta?

 

“É para impressionar, dolorosa e profundamente, o passamento brusco dum companheiro das mais despreocupadas e risonhas quadras do passado! Há um não sei quê de nós próprios que desaparece também como que arrastado num turbilhão que passa desolador e implacável!

A morte do Padre Afonso – desse vulto tão popular – meão de corpo mas elevado de espírito – ocorrida num fim de tarde tempestuoso e arrepiante, desconsoladora e depressiva, marcou uma acontecimento cheio de tristeza nesta boa, nesta bela terra a que nós tanto e tanto queremos.

Como sucede sempre que um conhecido baqueia na arena desta cruciante luta que é a Vida, o Padre Afonso, apenas arrefecido, foi relembrado, entre saudades e preitos de justiça, nos traços principais e bem francamente lançados da sua existência; e então ressaltou, em luminosa nitidez, a figura do patriota às direitas, trabalhador estrénuo e desinteressado.

Sim. Pelejador da boa causa, o Padre Afonso, que nos bancos escolares se afirmara inteligência robusta e culta e, nos cargos eclesiásticos, o homem que é do seu tempo, veio para a cátedra professoral e para a banca do jornalismo espargelar os primores dos seus conhecimentos e o melhor da sua alma intensamente devotada ao bem e ao progresso da sua terra.

Luta tenaz e persistente teve-a sempre para erguer o Instituto Municipal, onde já leccionara, a Liceu Nacional. A este grave e alto problema local – alfim solucionado – dedicou esforços que outros para logo poriam de parte! Um pouco mais de comodismo e de calculada indiferença da parte do Padre Afonso e tudo teria soçobrado no “deixar ir” tão português, tanto dos nossos hábitos.

Nos periódicos locais, onde colaborou com ciência e consciência, deixara, por anos, os traços indeléveis do polemista experimentado e indefeso, do jornalista bem conhecedor do ofício e, por isso, esclarecido, correcto, leal. Os seus escritos elevaram o jornalismo poveiro a foros de rara competência no meio provinciano.

Foi como a quadra mais brilhante em que junto dele se agruparam penas que chegaram a defrontar-se com as melhores dos jornais portugueses, esse temo em que o Padre Afonso dirigiu, infatigável e proficientemente, a “Estrela Povoense”, onde foram versados os mais interessantes e capitais questões para esta Póvoa: - a pesca de arrasto, a higiene e melhoramentos locais, a propaganda da praia, a renovação política que fez irmanar partidos e congraçar adversários, tudo para a transformação da Póvoa, sempre benéfica, sempre útil.

Bons tempos, esses!

Revendo, com dolorosa exactidão e lancinante memória, toda essa extinta campanha pelo torrão pátrio, todo esse bom combate, em que o peso da tarefa se anulava pelo êxito da acção. Essa bela figura do Padre Afonso, agora esbatida, imaterializada, distende-se, duplica-se, agiganta-se, cobre como uma sombra cariciosa o coração daqueles que o conheceram, que bem lhe quiseram, como ele bem queria a todos.

Morreu um grande, um autêntico povoense!”

 

A rua onde morava o nome do padre Afonso Soares

Pelo Prof. Fernando Souto

 

“Em Setembro de 2012 a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim aprovou, por unanimidade, a proposta de atribuição do nome de Manuel Lopes à então designada rua padre Afonso Soares.

Manifestei, em devido tempo, absoluta discordância com a referida decisão. Concordar com tal deliberação significava aceitar o saneamento e consequente apagamento público de um prestigiado jornalista, redator principal de a “Estrella Povoense”, primeiro diretor de “ O Comércio da Póvoa de Varzim”, político regenerador, vice-presidente da “Real Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários”, presidente da comissão encarregue de elaborar os primeiros Estatutos de “A Beneficente”, secretário da “Mesa Administrativa da Santa Casa da Misericórdia”, capelão da Igreja da Lapa, pároco da Matriz da Póvoa de Varzim e também um dos fundadores do Liceu, seu incansável professor e respeitado reitor.

Perante esta nova realidade e contrariamente ao que seria de esperar, não me apercebi de que alguma destas instituições tivesse levantado a sua voz em defesa da memória do padre Afonso Soares. Estranho silêncio, que a seu modo, também fala.

Não se pode esquecer que na “Representação” que a Câmara Municipal enviou a Sua Majestade o Rei D. Carlos, em Junho de 1904, a implorar a criação de um Liceu Nacional na Póvoa de Varzim, consta o nome do padre Afonso Soares como garantia segura para o sucesso do projecto.

O padre Afonso Soares conheceu e ultrapassou vicissitudes várias para organizar e instalar a nova instituição de ensino, motivadas pelo desfasamento entre as intenções políticas e a realidade económica do país e da autarquia local, cuja compreensão o levou a prescindir dos seus merecidos ordenados. Viveu num tempo, onde se evidenciaram as movimentações em defesa da manutenção do Liceu face às constantes e cíclicas ameaças de extinção. Sem este seu empenhamento cívico o Liceu jamais teria passado de um projeto, de uma intenção, ou, quando muito, de uma experiência de curta duração como aconteceu, à época, em diversas localidades do país. 

Ganha pois, mais sentido o testemunho do historiador Manuel Silva na revista “Póvoa de Varzim”, Dezembro de 1914, que cito:

“(…) luta tenaz e persistente teve-a para erguer o Instituto Municipal, onde já leccionava, a Liceu Nacional. A este grave e alto problema local dedicou esforços que outros logo poriam de parte! Um pouco mais de comodismo e de calculada indiferença da parte do Padre Afonso, e tudo teria sossobrado no “deixar ir” tão portuguez, tanto dos nossos hábitos”.

O ano de 1915, ano a seguir à morte do padre Afonso Soares, foi conturbado para o Liceu. Basta ter presente a nomeação, nesse ano, de três reitores, a agressão a um deles por parte dos alunos, a interdição e posterior levantamento da realização dos exames finais, a ameaça eminente de despejo do Colégio Povoense, que então ocupava, para ajuizar do que fora o seu génio e carisma: o homem certo no lugar certo.

Não tenho dúvidas de que foi o sentimento de reconhecimento e de gratidão a Manuel Lopes que moveu a Comissão Municipal de Toponímia a propor a alteração do nome da rua. Todavia, a materialização desse sentimento não pode diminuir ou apagar o nome de outra personalidade que, a seu modo e noutros contextos, apaixonadamente serviu a Póvoa de Varzim.

Poder-se-á invocar que, desta forma, aquela homenagem ganha um significado maior e evidente na ligação ao edifício da Biblioteca Municipal Rocha Peixoto, a que Manuel Lopes consagrou grande parte da sua vida. Mas por outro lado, importa aqui relevar que análogo propósito animou a Câmara Municipal da Póvoa de Varzim, na reunião de 19 de janeiro de 1966, ao atribuir o nome do padre Afonso Soares à rua confinante a nascente com o Liceu, instituição que de forma persistente ajudou a fundar. Não vislumbro pois razões para revogar, agora, tão acertada e justa deliberação.

A verdade é que a placa de mármore que ostentava o nome do antigo Reitor do Liceu da Póvoa de Varzim, padre Afonso Soares, foi retirada do muro de vedação da atual Escola Secundária Eça de Queirós, em finais do mês de novembro de 2012. Quero crer que num futuro próximo a verei reposta numa rua prometida. Mas, para mim, professor da Escola Secundária Eça de Queirós, não será a mesma coisa, como sói dizer-se.

Termino com a indicação de que a sua anterior morada está assinalada e fixada nas páginas da “Toponímia da Póvoa de Varzim” do Dr. Jorge Barbosa, insigne médico e historiador poveiro. A esse itinerário podemos regressar sempre, na companhia da memória e da história do Liceu da Póvoa de Varzim.


2 - Cónego Ricca

O Cónego Ricca, professor efectivo do 1.º grupo no Liceu, nomeado em 12-6-1908, foi eleito seu reitor em 21-10-1910 e tomou posse em 1-11-1910. Deixou de prestar serviço em 1-10-1912.

Um dia, o jornal O Intransigente colocou o Cónego Ricca como o terceiro republicano mais influente da Póvoa, após o Dr. José Pedro de Sousa Campos e António dos Santos Graça. E devia ser verdade.

Por duas vezes, que saibamos, o Cónego Ricca enviou a Afonso Costa telegramas de apoio às suas medidas discricionárias. O Poveiro denunciou publicamente a incongruência ao menos numa delas (na edição de 20 de Maio).

O nome deste insensato cónego da Sé de Lamego só consta aqui para documentar a desorientação que reinou na Póvoa – e que contagiou o Liceu – ao tempo da Primeira República.

Imagem – Edital de Cónego Alberto Ricca como reitor do Liceu.

 

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial